O DANO MORAL NA INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
ROLF MADALENO
Advogado e Professor de Direito de Família. Juiz Eleitoral Substituto do TRE/RS
Dano causado ao filho.
Impõe-se a interrogativa para saber se o repúdio paterno ao reconhecimento do filho, cerceando-lhe voluntariamente o direito inerente à sua identidade pessoal, representada pelo uso do nome de seu pai biológico, complemento da sua qualificação social, configura um dano moral, pois que, sem sombra de dúvida, presente sempre o dano material, perfeitamente aferível pelos prejuízos que se registram pela negativa das oportunidades materiais que os pais devem colocar ao dispor dos filhos, atentos que devem estar ao amparo e à educação da prole.
O direito à identidade pessoal, ao uso do nome, está associado à dignidade e à reputação social do filho não registrado. O pai que recusa o reconhecimento espontâneo do filho, com este ilícito, se opõe à felicidade do rebento, atinge e lesiona um direito subjetivo do menor, juridicamente resguardado e que é violado pela atitude reticente do reconhecimento, impedindo que o descendente conte com seu apelido paterno; desconsiderando a criança no âmbito das suas relações, e, assim, criando-lhe inegáveis carências afetivas, traumas e agravos morais que crescem de gravidade, no rastro do próprio desenvolvimento mental, físico e social do filho que padece com a antijuriscidade do injuste repúdio público que lhe faz o pai ao Ihe negar o nome, a sua identidade, o atributo da sua personalidade.
São valores impostergáveis, que formam a coluna espiritual da pessoa; ela depende desta estrutura familiar, que diz Rodrigo da Cunha Pereira(24) existe antes e acima do Direito, "para que o indivíduo possa, inclusive, existir como cidadão e trabalhar na construção de si mesmo e das relações interpessoais e sociais...".
Não tem sido da prática jurisprudencial brasileira a reparação moral da conduta omissiva paterna ao reconhecimento da filiação.
Entrementes, é bom lembrar que a punição pecuniária pelo dano imaterial tem um caráter nitidamente propedêutico, e, portanto, não objetiva propriamente satisfazer à vítima da ofensa, mas sim castigar o culpado pelo agravo moral e, inclusive, estimular aos demais integrantes da comunidade, recorda Omar U. Barbero(25), a cumprirem os deveres éticos impostos pelas relações familiares.
É altamente reprovável e moralmente danosa a recusa voluntária ao reconhecimento da filiação extramatrimonial e, certamente, a intensidade deste agravo cresce na medida em que o pai posterga o registro de filho que sabidamente é seu, criando em juízo e fora dele todos os obstáculos possíveis ao protelamento do registro da paternidade, que, ao final, termina por ser judicialmente declarada.
Tenho que pertine cumular a ação de investigação de paternidade com o pedido de ressarcimento por dano moral, decorrente do ato ilícito de recusa ao reconhecimento desta mesma paternidade, não se confundido o dano moral com a litigância de má-fé, porquanto, embora a má-fé da litigância figure como punição processual, para reparar postergação do processo, ela não ampara, por sua gênese, a lesão moral que exsurge da relutância de má-fé, assim vista a voluntária inconseqüência com os resultados previsíveis do filho propositadamente privado de contar com o sobrenome paterno e que, por isto mesmo, durante sensível tempo, não pôde ser considerado no âmbito das suas relações humanas como descendente de seu progenitor.
É como de ordinário tem decidido a jurisprudência alienígena, com interessantes arestos recolhidos dos tribunais argentinos, que entendem e ordenam deva ser ressarcido o dano moral, que implica na violação dos direitos à personalidade de um sujeito, a quem se infere uma dor injusta, ao abandoná-la nos momentos mais difíceis da sua vida, negando-lhe logo a paternidade, depreciando à sua ex-amante em seus mais íntimos sentimentos e elidindo ao filho a inscrição de seu apelido paterno no Registro Civil. Ou, como decidiu a Sala L, CNCiv, em 14/04/94-de que "As lesões sofridas por quem intenta obter sua filiação atentam contra a honra, o nome, a honestidade, as afeições legítimas e a intimidade. Isto permite que se faça credora da indenização que reclama por dano moral, sem prejuízo que o menor, na oportunidade pertinente, possa reclamar ao demandado uma condigna reparação".
Transitar pela vida, em tempo mais curto ou mais longo, sem o apelido paterno, com sua identidade civil incompleta, causa em qualquer pessoa um marcante dano psíquico, máximo na etapa de seu crescimento e da sua formação moral, caracterizada pela extrema sensibilidade, a suscitar insegurança e sobressaltos na personalidade psíquica do descendente, posto que o priva o pai de um direito que pertence ao menor pelo decorrer do vínculo biológico que se apresentou no momento da sua concepção. Pois, como se pronunciou a jurisprudência argentina que inspira este trabalho, em recente decisão, "se a filiação e o apelido, como atributos da personalidade, não podem ser desconhecidos legalmente, e a ordem jurídica procura sua concordância com a ordem biológica, aquele que ilide voluntariamente seu dever jurídico de reconhecer seu filho resulta responsável pelos danos ocasionados a quem tem o direito de ser incluído no respectivo estado de família"(26).
24. Rodrigo da Cunha Pereira, Direito da Família, uma abordagem psicanalítica, Editora Del Rey, p. 25. 25. Omar U. Barbero, Danos y perjuicios derivados del divorcio, Editorial Astrea p. 101 . 26. Conforme a Revista Plenario, ano 4, n° 31 , de junho de 1997, p. 16, publicada na Argentina pela Associación de Abogados de Buenos Aires.